19 de abril de 2024

Fronteira teve ex-deputado executado por pistoleiros e ‘rei do tráfico’ preso

Morto a tiros de fuzil no dia 15 de setembro, Oscar Goldoni foi mais uma vítima dos crimes sem solução na fronteira com o Paraguai

Helio de Freitas, de Dourados

A fronteira do Brasil com o Paraguai em Mato Grosso do Sul teve mais um ano marcado por assassinatos. O sangue manchou o chão, principalmente de Ponta Porã e da vizinha Pedro Juan Caballero, cidades separadas apenas por uma rua e onde o crime organizado impera há anos, numa visível afronta à polícia e ao estado de direito. Dezenas de pessoas foram executadas nessa faixa de fronteira durante o ano de 2015.

A maioria das mortes continua sem explicação e os matadores e mandantes no anonimato, livres. O ano também foi marcado por prisões de traficantes importantes, entre eles Vilmar Acosta, o Neneco, localizado em Mato Grosso do Sul e extraditado para o Paraguai.

Uma das vítimas dos pistoleiros da fronteira foi o ex-deputado federal Oscar Goldoni, 66, figura política conhecida em todo Mato Grosso do Sul. Por volta de meio-dia de 15 de setembro deste ano, ele foi morto a tiros de fuzil ao deixar a agência do Detran em Ponta Porã, cidade da qual tinha sido prefeito e onde tinha empresas e propriedades rurais.

Armado com uma pistola, Goldoni chegou a trocar tiros com os matadores, que estavam em uma caminhonete escura e supostamente encapuzados. Mas não conseguiu evitar a própria morte. Alvejado por vários tiros de fuzil 5.56, o ex-deputado caiu morto na porta de sua Hilux. Um funcionário dele estava no local, mas seu depoimento em nada ajudou a polícia a chegar aos criminosos.

Ao contrário da maioria dos crimes de homicídio que ocorrem quase todos os dias na fronteira do Brasil com o Paraguai, a morte de Goldoni chamou a atenção das autoridades políticas e as investigações ganharam reforço de uma equipe da Garras (Delegacia Especializada na Repressão de Roubo a Banco, Assalto e Sequestro), grupo de elite da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul.

Entretanto, o esforço de nada adiantou. A polícia continua sem pista dos pistoleiros e dos mandantes do assassinato. Várias pessoas foram ouvidas, inclusive dois empresários da cidade, ex-sócios e desafetos de Goldoni, mas o crime continua um mistério, assim como todos os outros que ocorreram antes e depois da morte do ex-prefeito.

Um mês após a morte de Goldoni, o delegado titular da 1ª Delegacia de Polícia de Ponta Porã, Patrick Linares da Costa, que comanda as investigações, disse ao Campo Grande News que as execuções de pessoas se tornaram tão frequentes na linha entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero que já são vistas como fatos comuns pela população. Para o policial, impera na região a “cultura do medo”.

“A maioria das pessoas só aceita falar em off. É a cultura do medo. É um crime complexo, que pode envolver agentes dos dois lados da fronteira. Isso também dificulta os trabalhos”, afirmou o delegado.

Patrick da Costa disse na época que brechas na legislação brasileira e a facilidade que os criminosos encontram para fugirem da polícia na fronteira tornam quase impossível elucidar crimes de pistolagem como o que vitimou Oscar Goldoni.

“É comum os criminosos que atuam no Brasil usarem telefone paraguaio, por exemplo. Assim, trabalhando com a legislação brasileira, até o FBI teria dificuldades extremas”, afirmou o delegado, se referindo ao Birô Federal de Investigação dos Estados Unidos, cuja fama é conhecida em todo o mundo, principalmente pelos filmes.

“Só o assassinato do político chamou a atenção da mídia e do governo, mas aqui sempre matam um. A população trata com naturalidade”, afirmou o delegado Patrick da Costa.

Após a morte de Goldoni, várias outras pessoas foram executadas tanto em Ponta Porã quanto em Pedro Juan Caballero. Teve assassinato até no estacionamento de uma grande loja de produtos importados.

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Até mulheres – Nem mulheres escapam dos pistoleiros da fronteira. No dia 9 de outubro, Silvana Campeiro, 24, estava dentro de um utilitário Kia Sportage branco, placa de Ponta Porã, quando pelo menos 12 tiros de pistola 9 milímetros foram disparados no carro. Três tiros acertaram a mulher. O crime ocorreu no meio da tarde, na área central da cidade.

Uma criança estava no banco de trás do veículo, mas não foi atingida. Os autores do crime foram um homem e uma mulher, de moto. Após os tiros, eles fugiram para o território paraguaio. Silvana é esposa do ex-vereador João Bala, que cumpre pena em São Paulo, por tráfico de drogas.

Corpos em sacos plásticos – O ano foi marcado também por crimes macabros. Corpos enrolados em sacos plásticos e pessoas encontradas com cadeado na boca fizeram parte da crônica policial da fronteira em 2015.

No dia 26 de outubro, foi encontrado o corpo de um homem enrolado em sacos pretos, método adotado pela máfia que domina o crime organizado na região, segundo os policiais paraguaios. A vítima não foi identificada.

O homem moreno, com idade aproximada de 30 anos, foi morto com dois tiros na cabeça e o corpo deixado numa plantação de eucalipto, a cerca de 8 km de Pedro Juan Caballero, próximo à estrada velha que dá acesso à Colônia Cerro Corá’í. Não foi encontrado nenhum documento que pudesse ajudar na identificação.

Segundo a polícia paraguaia, esse é foi segundo caso de execução com as mesmas características. A outra morte ocorreu uma semana antes, no bairro San Juan Neuma, em Pedro Juan. Cristian David Candia Silva, 25, foi morto a tiros o corpo deixado dentro de sacos de lixo.

Neneco preso – Comparado ao lendário traficante colombiano Pablo Escobar, o ex-prefeito da cidade paraguaia de Ypejhú, Vilmar Acosta Marques, o Neneco, foi preso em março deste ano em Mato Grosso do Sul.

Acusado de pelo menos 23 assassinatos ocorridos em território paraguaio, Neneco é apontado como mandante da morte do jornalista do jornal ABC Color, Pablo Medina, e de Antonia Almada, sequestrada e morta na companhia de Medina.

Acusado no Paraguai por assassinatos e tráfico internacional de drogas, Vilmar Acosta foi preso por policiais civis sul-mato-grossenses, no município de Caarapó, onde estava escondido há meses. No dia 26 de agosto deste ano o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por unanimidade determinar sua extradição para território paraguaio.

No dia 10 de outubro, o ministro do STF, Dias Tóffoli, negou recurso da defesa de Vilmar Acosta, manteve a decisão do plenário e considerou o caso “transitado em julgado”, determinando a imediata extradição.

No dia 17 de outubro, Neneco foi extraditado para o Paraguai. Por volta de 8h, agentes da Polícia Federal o entregaram à comitiva paraguaia, no Aeroporto Internacional de Campo Grande. Ele estava preso na carceragem da Superintendência da PF na Capital. No mesmo dia ele chegou a Assunção e foi levado para a penitenciária de Tacumbú, na capital paraguaia. O presídio é o maior do Paraguai e foi o interno de número 3.940.

A extradição foi criticada pela defesa de Acosta, que afirma que o suposto narcotraficante tem nacionalidade brasileira. A Constituição de 1988 não permite a extradição de cidadãos brasileiros natos.

O advogado Hervitan Cristian Carulla, de Cuiabá (MT), disse ao Campo Grande News que Neneco pode ser morto em território paraguaio e reafirmou que seu cliente é cidadão brasileiro. “Comunicamos em petição sobre a segurança dele lá, fizemos agravo. Ele corre risco de morrer no Paraguai, mas o ministro mandou cumprir imediatamente”.

“Por lá [Paraguai] dizem que ele vai sofrer as consequências. E se depois ele consegue provar que é cidadão brasileiro? Ele já vai estar lá”, afirmou Carulla. Segundo o advogado, o recurso contra a decisão do juiz de Sete Quedas que anulou a documentação brasileira de Neneco ainda está tramitando no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

“Os pais deles são casados em Caarapó e brasileiros. O Vilmar Acosta e os irmãos foram registrados no Brasil por ordem judicial, ele nasceu em território brasileiro, em Paranhos”, declarou o advogado.

A apelação de Neneco pedindo a anulação da decisão do juiz de Sete Quedas ainda tramita no TJMS. O relator é o desembargador Amaury da Silva Kuklinski. Em outubro a Procuradoria Geral de Justiça deu parecer contrário ao recurso.

 

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